O co-fundador da Rockstar Games e criador da série GTA, Dan Houser, concedeu uma longa entrevista ao canal de Lex Fridman no YouTube, revelando pela primeira vez curiosidades da produtora famosa por sua postura hermética e misteriosa.
Entre os assuntos abordados, Houser revelou o que aconteceu com Agent, jogo anunciado pela Rockstar na E3 de 2009 e cancelado anos mais tarde, comentou sobre seus personagens favoritos de GTA e deu sua opinião sobre o advento da inteligência artificial.
Dan Houser, que fundou a Rockstar com seu irmão Sam Houser (atual presidente), deixou a produtora no início de 2020 após uma carreira de vinte e dois anos. No ano seguinte, fundou uma nova empresa chamada Absurd Ventures, que até agora lançou uma série de podcasts, uma graphic novel e um romance, mas já tem jogos em desenvolvimento.
Na extensa entrevista em vídeo de quase três horas, Dan Houser escolheu Niko Bellic, o imigrante sérvio que foi o protagonista de GTA IV, como seu favorito.
“Acho que ele é o mais inovador e, de certa forma, o mais moralmente justificável. Ele faz muitas coisas em que luta pelo que é certo. Ele é a pessoa mais gentil em alguns aspectos. Ele é o melhor protagonista de um jogo de GTA? Acho que ele é o protagonista mais inovador de um jogo de GTA. Estruturalmente, ele pode ser gentil demais em alguns aspectos. Ele também é durão. Eu adorei o CJ em San Andreas. Achei que o Maylay (Young Maylay, dublador de CJ) fez um trabalho incrível… A maneira como ele falava lhe dava tanta humanidade. Não foi a escrita, foi a qualidade da dublagem, foi simplesmente muito forte”.
“Acho que alguns aspectos do Michael, ele era tão discreto, mas o ator amava o personagem, ele trouxe tanta humanidade para esse personagem tão falho, que não tem princípios. Ele trai todo mundo. Acho que o Ned Luke fez um trabalho incrível e não recebeu tantos elogios quanto o Steven Ogg pelo Trevor, que também foi maravilhoso. Mas acho que o personagem do Ned Luke sustenta muito o jogo. Então, eu gosto de todos eles de maneiras diferentes, mas provavelmente amo o Niko mais do que todos”.
Na entrevista, Houser também revelou o que aconteceu com o jogo Agent, que foi imaginado como uma aventura de espionagem em mundo aberto, mas acabou cancelado após a Rockstar tentar várias versões do jogo e concluir que o tema de espionagem funciona melhor em filmes que jogos.
“Trabalhamos muito em várias versões de um jogo de espionagem de mundo aberto, e nunca conseguimos finalizá-lo”, diz ele. “Tivemos cerca de cinco versões diferentes. Concluí que não funciona – e continuo pensando nisso às vezes, às vezes fico na cama pensando nisso – e cheguei à conclusão de que o que os torna realmente bons como histórias de filmes os torna inviáveis como videogames. Precisamos pensar em como fazer isso de uma maneira diferente em um videogame”.
O principal argumento de Houser é que o design de jogos de mundo aberto não combina bem com a fantasia de agente secreto. “Em um filme de suspense de espionagem, há uma urgência na trama que impulsiona a história em um ritmo acelerado, mas isso não funciona em um cenário de mundo aberto”, argumenta Houser.
“Esses filmes são muito, muito frenéticos e cheios de ação. Você precisa ir para lá e salvar o mundo. Você precisa ir para lá e impedir que aquela pessoa seja morta e, em seguida, salvar o mundo. Um jogo de mundo aberto tem momentos assim, quando a história se desenvolve. Mas, na maior parte do tempo, é muito mais livre, e você simplesmente fica por aí fazendo o que quer. Eu quero liberdade, quero ir para lá e fazer o que eu quiser […] e é por isso que funciona bem ser um criminoso, porque fundamentalmente ninguém está te dizendo o que fazer”.
“Tentamos criar uma agência externa através dessas pessoas que, de certa forma, te forçam a seguir a história em alguns momentos. Mas, como espião, isso não funciona muito bem, porque você precisa estar contra o tempo. Então, acho que, para mim, questiono se é possível criar um bom jogo de espionagem de mundo aberto”.
O criador de GTA também comentou sobre a ascensão da IA generativa e dos grandes modelos de linguagem (LLMs) em particular, dizendo que não está muito preocupado, pois eles são incapazes de criar “magia” e provavelmente serão relegados à produção de conteúdo decente e barato.
“Com base na minha compreensão bastante limitada de como os modelos de linguagem funcionam, eles não vão substituir boas ideias. Eles não conseguem realmente criar boas ideias novas. O que eles podem fazer é realizar tarefas de baixo nível. Então, acho que será mais difícil para as pessoas começarem em algumas dessas áreas. Se você não for um bom artista conceitual, estará em apuros. Se você tiver ideias originais, acho que estará tudo bem. Mas também acho que eles já fizeram os primeiros 90% do trabalho para soar como humanos, talvez 95% em algumas áreas. Os últimos 5% acabarão representando cerca de 95% do trabalho. Acho que essa última parte com a tecnologia, na minha experiência com coisas como animação facial, sempre foram os últimos detalhes que demoram muito mais do que a primeira parte”.
“E então, provavelmente sou um ludita incorrigível, mas estou menos assustado do que muitas pessoas. Acho que acabaremos com muito trabalho que parece igual. Isso ajudará as pessoas a serem criativas de algumas maneiras. Isso fará com que algumas pessoas que provavelmente não deveriam estar nesse espaço saiam dele. Mas se você tiver talento, acho que ficará tudo bem. Não acho que eles vão criar magia. Acho que eles serão fantásticos em criar coisas realmente baratas e decentes”.
Um dos novos projetos de Houser no Absurd Ventures é a graphic novel A Better Paradise, uma distopia ambientada em um futuro próximo, onde o autor explora personagens como uma inteligência artificial conflituosa e semi-sociopata chamada Nigel Dave, que sabe de tudo, mas carece de sabedoria própria e inveja a experiência humana. O enredo será transformado em um jogo, que está em desenvolvimento inicial no estúdio da Absurd Ventures em Santa Monica. Além disso, um segundo projeto de mundo aberto, Absurdaverse, também está em desenvolvimento, mas levará alguns anos para ficar pronto.