Novos revelações dos bastidores do lançamento de MindsEye, o primeiro e talvez o último grande projeto do Build A Rocket Boy, ajudam a explicar o fiasco do jogo. Enquanto o ex-produtor de Grand Theft Auto e fundador do estúdio, Leslie Benzies, acusava a presença de “sabotadores” em sua equipe e fazia demissões de todos aqueles que ele identificou como conspiradores, os ex-funcionários do estúdio expuseram a falta de liderança do ex-chefe e a receita para o fracasso.
Segundo uma reportagem da BBC, Benzies afirmou em uma reunião geral em julho que “sabotadores” dentro da própria empresa teriam prejudicado o jogo. O encontro, ocorrido pouco depois da estreia do título e da divulgação de severas críticas, foi marcado por um tom de indignação do executivo, que classificou as reações negativas como “injustificadas” e prometeu identificar os responsáveis por uma suposta conspiração interna. “Acho nojento que alguém possa se sentar entre nós, agir assim e continuar trabalhando aqui”, teria dito Benzies aos funcionários — apenas uma semana após a equipe ser informada sobre demissões em massa.
Mas os relatos dos desenvolvedores apontam para uma realidade bem diferente. Vários ex-funcionários descrevem um ambiente de trabalho caótico, marcado por decisões de última hora, microgerenciamento e uma ausência quase total de direção criativa. “Leslie nunca decidiu que jogo ele realmente queria fazer”, contou um ex-funcionário identificado apenas como Jamie. “Não havia uma visão coerente”.
Segundo os ex-funcionários do estúdio, Benzies teria assumido uma função de gerente informal do projeto, colocando suas demandas sempre com prioridade. Essas foram apelidadas de “Leslie tickets” ou simplesmente “Leslies” pela equipe, e os relatórios de problemas ou ajustes solicitados pessoalmente por ele recebiam prioridade máxima, independentemente do impacto em outras áreas. “Não importava o que você estivesse fazendo, o Leslie ticket vinha primeiro”, disse o ex-analista de dados Ben Newbon. Outros apontaram que sugestões e alertas dos desenvolvedores raramente recebiam resposta ou eram simplesmente ignorados.
O estresse acumulado levou a longos períodos de “crunch”, com funcionários trabalhando horas extras não remuneradas e sofrendo com regressões constantes, quando o trabalho de uma equipe anulava o progresso de outra. “Os erros começaram a se empilhar e o moral caiu rapidamente”, relatou o ex-programador de áudio Isaac Hudd. “As pessoas estavam exaustas, discutindo por pequenas coisas e se perguntando: ‘Qual é o sentido disso?’”
A história do estúdio ajuda a explicar parte do colapso. Fundado em 2016, após a saída de Benzies da Rockstar North, o Build A Rocket Boy — ou BARB — havia levantado cerca de £233 milhões até 2024 e reunido quase 450 funcionários, com a promessa de criar Everywhere, um ambicioso RPG multiplayer de mundo aberto. Com o escopo do projeto se tornando inviável, o estúdio decidiu focar em MindsEye, originalmente planejado como uma experiência interna dentro de Everywhere.
O resultado, lançado em junho deste ano, foi um desastre. Críticas arrasadoras e o fracasso comercial levaram a uma onda de demissões que afetou entre 250 e 300 pessoas, principalmente no escritório de Edimburgo. Pouco depois, 93 ex-funcionários assinaram uma carta aberta denunciando “desrespeito, má gestão e manipulação no processo de demissão”. O sindicato Independent Workers of Great Britain (IWGB), que representa os trabalhadores, anunciou que tomará medidas legais contra o estúdio.
“Esses desenvolvedores foram rotineiramente menosprezados e explorados pela empresa à qual dedicaram anos de suas vidas”, afirmou Spring McParlin-Jones, presidente da divisão de jogos do IWGB. “O setor de games não é mais o Velho Oeste. Se executivos como Mark e Leslie acham que as leis trabalhistas não se aplicam a eles, o sindicato estará lá para lembrá-los do contrário”.
Em resposta, o Build A Rocket Boy afirmou estar “profundamente entristecido” com a situação e que conduziu o processo de demissões “com cuidado e transparência”. A empresa também declarou assumir “total responsabilidade” pelo lançamento inicial de MindsEye, reconhecendo que o produto “não refletiu a experiência que nossa comunidade merecia”.
Enquanto isso, a publisher IO Interactive — responsável por distribuir o jogo — já se distanciou do projeto. Seu CEO, Hakan Abrak, declarou recentemente que a empresa passará a publicar apenas seus próprios títulos, encerrando parcerias externas “por tempo indeterminado”.