Um novo vídeo de Gran Turismo Sport traz uma retrospectiva da série, com figuras como o produtor Kazunori Yamauchi e o co-produtor Shuhei Yoshida comentando sobre a evolução do jogo desde a estreia no PlayStation 20 anos atrás até a iminente chegada ao PS4.
Entre outras coisas, eles comentam como o jogo foi pioneiro ao usar tecnologias como mapeamento ambiental para criar reflexos na lataria do carro e como a atenção aos detalhes típica dos artesãos japoneses criou imagens realistas dos carros na pista.
Gran Turismo Sport chega ao PlayStation 4 no dia 17 de outubro.
Em 1993, mas de um ano antes do lançamento do PlayStation no Japão, Yamauchi era um produtor na pequena divisão de games da Sony Music Entertainment. E um dia ele conheceu um jovem executivo chamado Shuhei Yoshida, que acabara de entrar para a equipe de criação do PlayStation, liderada por Ken Kutaragi.
“Lembro de ter ficado muito impressionado com seu conhecimento, paixão e vontade de aprender como fazer jogos com tecnologia 3D em tempo real,” diz Yoshida, que hoje lidera a Sony Interactive Entertainment’s Worldwide Studios.
Yoshida tinha a missão de ajudar a formar a linha de software para o primeiro console da SIE, e ele encontrou em Yamauchi uma excelente fonte de ajuda. “Ele tinha muitas ideias e deu sua opinião no design do PlayStation e no controle original do PlayStation,” diz Yoshida, “Eu lembro que ele até ofereceu para testar os protótipos dos controles do PlayStation usando alunos da escola do pai dele.”
Yamauchi tinha muito interesse nas capacidades do hardware do PlayStation. Tendo começado fazendo jogos 2D na geração 16-bits, ele viu a chance de criar algo no qual tinha interesse há muitos anos.
“Meu interesse por 3D em tempo real começou quando estava no terceiro ano do colegial, lá por 1983,” ele conta. “Na época, computadores pessoais eram novidade e meu hobby era criar jogos neles. Eram apenas gráficos com modelos feitos de linhas, mas foi nessa época que eu comecei a me interessar por gráficos 3D.”
O que ele realmente queria era criar um simulador de direção realista. “Mas na época isso era um conceito radical e era difícil convencer executivos a se arriscarem,” ele diz, então ofereceu 100 ideias de jogos de diferentes gêneros.
Ele estava certo. Os executivos não toparam o simulador de direção, mas Yamauchi tinha um plano. “O que fiz foi começar um projeto de corrida que era mais fácil de digerir para os executivos,” ele diz. “Conseguimos garantir o orçamento para criar Motor Toon Grand Prix e seguimos adiante, mas no fundo já tínhamos iniciado o desenvolvimento de Gran Turismo.”
Isso não quer dizer que Motor Toon Grand Prix foi feito sem cuidado. Lançado em dezembro de 1994, duas semanas depois do lançamento japonês do PlayStation, era um jogo de kart colorido, mas seu estilo cartunesco era movido por gráficos e física 3D sofisticados. Logo ganhou uma forte legião de seguidores e, previsivelmente, uma continuação foi solicitada.
“Fui capaz de conquistar a confiança dos executivos para criar jogos por conta própria, e foi daí que apresentei o projeto de Gran Turismo para eles e o desenvolvimento começou oficialmente.”
“Eu lembro de como cheguei nos programadores que trabalhavam em gráficos 3D e física de carro que normalmente escreviam artigos em revistas especializadas, e os convenci a entrar para a equipe para criar esse projeto dos sonhos,” Yoshida se recorda, tendo acabado entrando para a equipe de Gran Turismo como gerente do estúdio e co-produtor. “Ele tinha um charme e carisma para fazer as pessoas acreditarem que ele e a equipe poderiam completar a tarefa aparentemente impossível em tempo.”
Gran Turismo não seria lançado no Japão até dezembro de 1997. No total, levou cinco anos para Yamauchi e sua equipe completarem o projeto, um período de desenvolvimento quase sem precedentes.
No começo, a equipe começou com cinco pessoas, incluindo Yamauchi, e mesmo no fim do desenvolvimento, menos de 20 pessoas trabalhavam no projeto. “Isso fez com que a responsabilidade de cada membro da equipe fosse enorme e a carga de trabalho era igualmente grande. Então levou muito tempo para desenvolver.” ele conta.
“Sempre encontrava ele e a equipe dormindo embaixo da mesa quando chegava no escritório de manhã,” Yoshida relembra.
“A atmosfera era quase como a de um centro acadêmico,” diz Yamauchi. “Eu acordava de manhã com uma perna na minha cara.”
A física dos carros de Gran Turismo era extraordinária. A maneira como as rodas deslizavam pelo asfalto e reagiam aos desníveis da pista era um nível de simulação sem precedentes, certamente em um console. E cada um dos carros na gigantesca seleção de 140 reagia de forma diferente e mudava com a troca de componentes, como suspensão e spoilers.
“O sistema era capaz de aceitar parâmetros detalhados para gerar a simulação,” diz Yamauchi. “Para certos carros no jogo tínhamos dados extremamente detalhados, dados de design e também dados medidos dos carros, então pudemos modelar eles com extremo detalhismo. Infelizmente, isso nem sempre era possível. Algumas montadoras não estavam dispostas a compartilhar esse nível de dados, então nesses casos fizemos chutes ponderados. Mas normalmente chegamos bem perto, o suficiente para reproduzir o caráter de cada veículo.”
Mas apesar de sua simulação ser muito detalhada, Gran Turismo também era amigável a novos jogadores. Apesar de Yoshida não ter muito envolvimento criativo no jogo, ele foi capaz de oferecer sua opinião como não-entusiasta de carro para ajudar a aprimorar a física para pessoas como ele.
“Lembro de uma sessão de teste durante a finalização do jogo, Kazunori assistiu uns 20 testadores batendo na parede por não serem capazes de brecar cedo o suficiente antes de fazer uma curva fechada,” ele conta. “Kazunori disse, ‘Tá, vou ver se deixo o controle mais fácil para jogadores normais!”
“Para mim, dirigir um carro real não deve ser difícil; é muitas vezes mais fácil do que dirigir dentro de um simulador,” diz Yamauchi. “As pessoas são capazes de intuir como usar o volante quando o carro derrapa, então sempre tive essa convicção de que se você pode deixar a física muito realista então a direção no jogo não seria difícil, porque na realidade não é difícil dirigir carros.”
Durante o desenvolvimento, Yamauchi aprendeu a dirigir carros de corrida. Mas não foi até ele aprender a dirigir bem que ele se deu conta que a física de Gran Turismo havia conseguido capturar aquela sensação de dirigir em corrida. Hoje ele é um corredor de sucesso, com diversos eventos no currículo, incluindo conquistar posições nas 24 horas anuais de Nürburgring.
Enquanto Yamauchi se focou pesado no equilíbrio do realismo de Gran Turismo e sua acessibilidade, ele também tem orgulho de coisas mais sutis. “Outra coisa que é muito importante é a luz,” ele diz. “Quando alguém me pergunta em um restaurante que tipo de trabalho eu faço, às vezes respondo que trabalho com luz. É algo que presto muita atenção.”
A maneira como o primeiro Gran Turismo capturou o ambiente de diferentes locais e horas do dia era impressionante, mas você pode também se lembrar como os carros eram realistas. Certamente é algo que impressionou Yoshida. “Lembro uma manhã de chegar de escritório, Kazunori e vários membros da equipe estavam em um canto, e ele me disse, ‘Yoshida-san, olha isso!’ Na tela de um programador estava um carro girando em um menu, com a luz refletindo de forma realista na superfície enquanto girava. Eu nunca tinha visto nada parecido em tempo real na minha vida, e todos ficamos surpresos com o potencial.”
Tudo isso foi exibido em um surpreendente modo replay, que reproduzia a corrida completa e usava ângulos dramáticos para mostrar o progresso do carro.
Gran Turismo não era só tecnologia. Também conseguiu apresentar toda uma nova maneira de correr introduzindo mecânicas de um gênero completamente diferente: RPG.
Enquanto você compete no modo Gran Turismo, recebe dinheiro que usa para comprar carros mais velozes ou investir em componentes para seus carros, suspensão, rodas, spoilers e afins. Deu uma nova dimensão compulsiva ao ganhar o suficiente para comprar a máquina que te garantiria o próximo torneio, ou adquirisse um componente que ajudasse seu carro favorito a tirar alguns segundos da sua melhor volta.
De onde veio a inspiração? “Relembro dos anos 80 quando era um jogador de PC,” Yamauchi diz. “Tinham muitos RPGs de qualidade nos EUA e também na Europa, jogos como Wizardy e Ultima. A cultura de jogos de PC foi algo com a qual eu cresci, então não tive muita experiência com consoles ou arcade.”
Gran Turismo foi esperado com ansiedade desde sua revelação. “Quando imagens de Gran Turismo foram secretamente inseridas em um trailer de títulos de PlayStation na E3 1997, as pessoas ficaram curiosas para saber qual era esse jogo realista de corrida,” diz Yoshida.
Mas para Yamauchi e sua equipe, o lançamento foi estranho. Naquele dia, 23 de dezembro de 1997, ele foi a grandes lojas do varejo, Yodobashi Camera e BIC Camera, e viu grandes filas de pessoas esperando para comprar cópias. “Eu meio que assisti em descrença enquanto as pessoas compravam nosso jogo.” ele conta. “Eu acho que, na época, não havia espaço para sentir o sucesso. Estávamos felizes, mas não acreditávamos. Como trabalhamos no primeiro Gran Turismo por muito tempo, parecia que o jogo pertencia à equipe. Nós nos prendemos e nos seguramos a ele, e cuidamos dele até o último segundo. Foi daí que o Gran Turismo que era só nosso deixou de ser.”
Com o sucesso de Gran Turismo, Yoshida ajudou Yamauchi a formar seu próprio estúdio, Polyphony Digital, e logo começaram a desenvolver uma continuação, com mais carros e pistas, e que saiu quase exatamente dois anos depois. A série tinha realmente chegado com força, e continuou a definir novos padrões para jogos de corrida repetidamente.
Gran Turismo cresceu muito desde seu lançamento 20 anos atrás. Mas até sua última encarnação, Gran Turismo Sport, manteve seus valores originais intactos: aquela mistura de realismo e diversão, seu visual realista, e amor por carros e corrida que por si se provou tão cativante que inspirou uma nova geração de pilotos.